A Septuaginta é uma tradução de alguns livros do hebraico para o grego. Foram traduzidos todos os livros canônicos da Bíblia hebraica, entretanto, com grandes diferenças em relação ao texto aceito por judeus e cristãos como canônico. Também estão traduzidos vários outros livros espúrios, ou apócrifos. A tradução da Septuaginta está envolta em lendas, entre as quais a mais famosa é a de que foi escrita por 72 sábios eruditos judeus (?), sendo 6 de cada tribo de Israel (?). Segundo a lenda ela teria sido escrita para compor o rol de livros da biblioteca de Alexandria, um populoso centro urbano, que à época (segundo ou terceiro século antes de Cristo, segundo esta mesma lenda), já era o centro mundial da intelectualidade helenística e pagã.
A esta tradução, que supostamente foi terminada ainda durante o reinado do macedônio Ptolomeu II Philadelphus (de 281 a.C. a 246 a.C.) foi dado o título de LXX1, em algarismos romanos (?), significando o número setenta.2 É importante notar que não há qualquer confirmação para esta lenda, a qual se baseia em um único documento chamado "Carta de Aristeas", documento este que está crivado de dados claramente fictícios e mitológicos, o que faz com que este escrito também conste da lista de livros apócrifos do Antigo Testamento.
Não há qualquer registro de um documento bíblico em grego, como tendo sido escrito em 250 a.C. Bem como, não há qualquer registro na história judaica de que tal esforço de tantos eruditos hebreus, que tivessem à época também conhecimento pleno do grego, e que tivessem se deslocado para Alexandria de modo a realizar tão grande tarefa. Algo assim teria sido, com certeza, digno de nota. Lembrando também que as dez tribos do norte estavam (como hoje ainda estão) perdidas, sem que se possa discernir sequer onde cada uma está, quanto mais selecionar-se 6 eruditos de cada uma delas, que conhecessem profundamente o hebraico e também o grego!
Os defensores desta lenda, quando pressionados a mostrar provas concretas de sua veracidade, apontam para a Hexapla de Orígenes (do 3º século depois de Cristo), contudo, deste trabalho pouco resta para se analisar, e entendendo-se a quinta coluna desta obra como sendo o texto original da Septuaginta veríamos vários livros apócrifos incluídos, livros estes que se tivessem sido traduzidos pelos supostos 72 sábios hebreus, o teriam sido antes mesmo de serem escritos, pois a data destes livros é claramente posterior à suposta tradução dos setenta. Pode-se concluir que se a quinta coluna realmente segue os manuscritos da Septuaginta, então ou ela foi uma tradução realizada pelo próprio Orígenes ou é de qualquer forma um trabalho posterior à alegada data da tradução da LXX.
Eusébio e Filo afirmaram que apenas o Pentateuco em grego existia à época de Jesus, e não todo o Antigo Testamento. Na verdade, encontramos hoje somente o papiro de Ryland # 458 contendo os capítulos de 23 a 28 de Deuteronômio. Mas, como este papiro é datado de 150 a.C. podemos concluir que provavelmente havia razão para que Eusébio e Filo afirmassem a existência do Pentateuco em grego à época de Jesus. Entretanto, mesmo sendo este o caso, como parece ser, dificilmente tal documento teria qualquer influência fora do seu habitat, ou seja, Alexandria e outras localidades onde o grego era a língua dominante, e teria menos influência ainda, ou melhor, não encontraria qualquer guarida, em Israel, junto a fariseus e zelotes que lutavam com todas as forças para manter sua religião e suas tradições intocadas. Este argumento é reforçado pelos achados de Qumram, a partir dos quais se conclui que o hebraico era língua conhecida e corrente à época do Senhor Jesus Cristo. Seja como for, as evidências de uma completa LXX existente e em uso à época de Jesus Cristo, são poucas e não conclusivas.
O mais provável é que uma tradução de todo o Antigo Testamento (ou uma revisão de um texto já existente??) do hebraico para o grego tenha sido concluída posteriormente (no decorrer do segundo século), usando inclusive como base o texto de passagens do Novo Testamento em grego para completar e facilitar a tradução dos versos do Antigo Testamento citados pelo Novo Testamento.
Nós podemos ver este fato claramente ilustrado no caso de Romanos 3:10-18, onde:
Na Septuaginta, os versos de Romanos 3:13-18 estão anexados ao final do verso 3 do Salmo 14 (acrescentando ao seu conteúdo original), e em seqüência, verso a verso, palavra por palavra, tal qual foram citados pelo apóstolo Paulo em Romanos. Neste exemplo podemos perceber com clareza que não é o Novo Testamento que cita a Septuaginta, mas sim, é a Septuaginta que cita o Novo Testamento, até porque não há um só manuscrito em hebraico que traga uma leitura sequer semelhante à da Septuaginta no Salmo 14:3, nem tampouco se encontra esta leitura em traduções antigas da Palavra de Deus como a Peshitta (antiga tradução para o siríaco).
Jerônimo, após ter comparado os manuscritos da Septuaginta com manuscritos em hebraico, afirma:
"Seria tedioso agora enumerar, as muitas adições e omissões que a Septuaginta fez, e todas as passagens que nas cópias das igrejas estão marcadas com cruzes e asteriscos [N.T.: símbolos que indicavam palavras que apareciam no grego e não no hebraico e vice-versa]. Os judeus geralmente riem quando ouvem nossa versão desta passagem de Isaías: 'Bendito é aquele que tem sementes em Sião e servos em Jerusalém [Isaías 31:9].' Em Amós também ... Mas como nós devemos lidar com os originais em Hebraico nos quais estas passagens e outras como estas estão omitidas, passagens tão numerosas que reproduzi-las irá requerer livros sem conta?" - [Carta LVII de Jerônimo].
Diante de todos os fatos, é possível afirmar, com boa dose de certeza, que a Septuaginta é um texto posterior (com exceção feita ao Pentateuco), e é, em geral, não confiável, e que assim o foi desde o princípio. Não devendo, portanto, em momento algum, ser tomada como autoridade escriturística.
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